Underwater
Era um daqueles dias de Inverno em que eu tinha acabado de
chegar da escola. A minha mãe saíu da casa de banho com um sorriso e
perguntou-me o que eu achava da ideia de tomar um banho bem quente. Achei boa
ideia, o frio da rua tinha tornado o meu corpo num cubo de gelo humano e o meu
nariz não parava de pingar. Não demorou muito até mergulhar na água quente e
deixar um suspiro de alívio correr pela minha garganta fora.
Comecei então a pensar no meu dia. As aulas tinham sido uma
seca e o número de trabalhos de casa de geografia A para a próxima semana eram
absurdos. Do lado de lá da porta fechada da casa de banho oiço os gritos dos
meus pais. Mais uma discussão sobre algo completamente ordinário. Mergulhei a cabeça na água junto com as
preocupações na tentativa abafar as suas vozes. Deixei que os meus músculos
relaxassem por alguns segundos. As vozes
deles soavam como marteladas nas paredes da banheira. Deixei o ar que armazenei
dos meus pulmões saísse e várias bolhinhas se formaram até explodirem ao
chegarem à superfície da água. Pensei em várias coisas ao mesmo tempo.
Nas amizades que perdi com o começo do secundário, no quão
as pessoas que pareciam novos amigos se tornaram em autênticos emplastros na
minha vida, no quão me incomoda o facto de parecer que aquele rapaz da turma
parecer odiar-me, e, pelo contrário outro rapaz, um total cromo, gostar talvez
demasiado de mim, em toda a matéria que ainda que vou ter que rever, na relação
entre os meus pais e na tensão que se sente nesta casa.
A esta altura as vozes dos meus país já não eram ouvidas por
mim. Sinto o meu coração a bater demasiado rápido e uma certa pressão nos meus
pulmões. Não vou mentir que, durante apenas alguns segundos, pensei em permanecer
ali. Caminhar pela rua mais plana e deixar todas as responsabilidades para trás,
não ter que me preocupar com a possibilidade de magoar alguém com as minhas
palavras, não ter que pensar na minha longa lista de coisas a fazer, nem ter
que decorar todos os conceitos de Filosofia. Por momentos fui egoísta, pensei
no que era bom para mim e não bom para os outros. Por momentos pensei em quão
fantástico seria não ter que lidar com as pessoas revoltadas e vulgares que
governam este mundo.
Mas isto não passaram de meros segundos. Não demorou muito
para voltar à superfície e respirar o ar húmido e quente que me rodeava. Voltar
à realidade, por vezes, dura realidade. À minha dura realidade.
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